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Os meus favoritos de 2015 [2]

Ao longo do mês de Dezembro partilharei os meus filmes favoritos que vi em 2015. Esta lista não terá nenhuma ordem em especial e não pretende ser completa nem definitiva. Não vi, nem de longe nem de perto, todos os filmes do ano. Este é um texto editado e revisto do original escrito a 01/03/2015 para o episódio 93 do podcast Fãs Danados.

Vício Intrínseco (Inherent Vice), 2015, dir. Paul Thomas Anderson

Ao longo da sua carreira Paul Thomas Anderson tem traçado retratos de uma América povoada de famílias disfuncionais, personagens alienados, sonhos desfeitos e reflexões muito pouco românticas sobre o passado e o inevitável arrependimento desse olhar.

Desde a figura paternal que John encontra em Sydney em Hard Eight – Passado Sangrento, passando pela família de empréstimo que Eddie descobre no círculo de cineastas de filmes pornográficos em Boogie Nights – Jogos de Prazer ou pelo nervoso e tímido Barry Egan em Punch-Drunk Love – Embriagado de Amor e pelo ambicioso Daniel Plainview em There Will Be Blood – Haverá Sangue – o que todos os personagens no centro dos filmes do Paul Thomas Anderson parecem ter em comum é a aspiração ao eternamente elusivo Sonho Americano. Seja aquele que Las Vegas promete, ou a sugestão de fama através de cinema de gosto duvidoso ou mesmo a simples possibilidade de tirar umas férias de graça através de cupões encontrados em embalagens de pudins. Todas estas ambições se emaranham no novelo da complexa realidade Americana: tudo tem um custo.

É em linha com este pensamento que aparece a adaptação de Vício Intrínseco de Thomas Pynchon. Larry “Doc” Sportello é a personagem central de uma trama neo-noir, que o parece ultrapassar a cada esquina e onde o dealbar de uma nova década, visto que o história se situa em 1970, parece trazer um abrir de olhos do sonho da paz e amor dos anos sessenta para o enfrentar da cínica realidade dos anos setenta. Paranoia ou realidade?

Com uma narrativa labiríntica onde cada cena vale por si e encerra nela própria uma peça do puzzle temático e narrativo navegamos pelos anseios dos anos 70 onde a família Manson, a guerra no Vietnam, o presidente Nixon, o governador Reagan, o abuso do poder policial e as drogas duras substituem a inocência da erva enquanto símbolo do mote Paz e Amor e cobrem o passado de um manto nostálgico revelando uma realidade onde a generosidade é encarada como uma doença que tem de ser tratada e o capitalismo se revela como um espaço de navegação de figuras sinistras que alimentam verticalmente todas as necessidades, reais e criadas. O espectro da California enquanto fabricação artificial sobre um deserto por construtores pouco escrupulosos navega por Vício Intrínseco relegando o homem comum a um peão do sistema corrompido pelo peso do poder, onde o próprio conceito da família típica americana se revela uma fachada do sistema instalado.

Tal como o livro original de Pynchon, Vício Intrínseco pode ser oblíquo e enigmático, mas altamente recompensador e um dos melhores filmes que vi em 2015.

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