Segundo Take

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A impetuosidade da terceira idade

Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 25 de Janeiro de 2017 com o título [Segunda dose] A Cor do Dinheiro (1986) e pode ser lido na íntegra aqui.

 

Um envelhecido Eddie ganha a vida a vender bebidas alcoólicas quando tropeça no talento natural para o bilhar de Vincent, interpretado por um Tom Cruise a voar nas asas da popularidade de Top Gun – Ases Indomáveis, do mesmo ano. Acompanhado pela sua namorada ambiciosa Carmen, interpretado por Mary Elizabeth Mastrantonio Vincent faz despertar a chama pelo jogo a Eddie, que o convida para uma digressão em caminho a um campeonato em Atlantic City, passando por salões de bilhar no caminho de forma a ganharem dinheiro com apostas. Vincent, apesar do talento, precisa da orientação do experiente Eddie para rentabilizar a sua habilidade através de elaborados atos de vigarice. Entretanto Eddie pega novamente no taco e resolve voltar a jogar apenas para descobrir que a idade lhe roubou a perícia de antigamente. Quando Eddie é enganado num esquema semelhante aos que ensina a Vincent decide deixá-lo e resolve entrar ele próprio no campeonato.

Martin Scorcese é elétrico na encenação dos jogos. O dinamismo do seu estilo assenta que nem uma luva nas cenas à volta da mesa de bilhar, com a utilização de zooms, e panorâmicas rápidas, bem como em algumas montagens com cortes rápidos que ilustram a progressão da ação. Um ponto fraco a apontar é a música original composta por Robbie Robertson mas Scorcese poupa-nos misericordiosamente da mesma recheando a banda sonora com mais uma coleção de músicas que variam entre canções populares da década de oitenta e seleções de clássicos do blues. O argumento de Richard Price é conciso e objetivo oferecendo cenas de diálogos com muito sumo para o talento do elenco onde, além dos protagonistas principais, encontramos em pequenos papéis John Turturro, Forest Whitaker e, inexplicavelmente, Iggy Pop.

Tom Cruise é uma escolha inspirada para Eddie, um fala barato espalhafatoso mais interessado em jogar e sentir o prazer da vitória do que em saber trabalhar os outros jogadores pacientemente para obter resultados no longo prazo. Mary Elizabeth Mastrantonio, que depois deste filme e de O Abismo parecia encaminhada em direção do estrelato, é eficaz como a parceira de Vincent, em igual medida independente, motivada e inexperiente, claramente fora do seu elemento, mas com capacidade de aprender depressa. E Paul Newman é magnético no regresso de “Fast” Eddie. Com um charme tranquilo transborda sabedoria e experiência até ao ponto em que a sua própria natureza competitiva vem ao de cima. E quando o feitiço se vira contra o feiticeiro a sua frustração e inconformismo são palpáveis, bem como o aumento da sua motivação para se voltar a provar.

A Cor do Dinheiro é um tratado sobre a idade, confrontando a impetuosidade da juventude com a experiência e melancolia dos anos mais maduros. É também sobre competitividade e sobre o desejo de vencer e de procurar validação através do controlo total de um jogo onde, ainda assim, não se pode descontar totalmente o elemento da sorte no seu desfecho. Ou seja, correndo o risco de analisar demais, é como o jogo da vida. Por tudo isto é mais um filme fantástico de Martin Scorcese, independente do filme original, que enriquece a filmografia diversificada de um dos maiores realizadores americanos vivos.

 

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