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Como vês o teu cinema?

Como vês o teu cinema?

Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 26 de Julho de 2017 com o título IMAX – Como vês o teu cinema? e pode ser lido na íntegra aqui.

Qual a importância da experiência cinematográfica nos dias que correm? Porque ainda frequentamos as salas de cinema? Dada a elevada probabilidade do incómodo do barulho das pipocas, dos ecrãs e toques de telemóveis e das conversas de patronos menos preocupados com um nível aceitável de civismo, porque ainda nos damos ao trabalho de sair de casa e procurar ver um filme numa sala escura no meio de desconhecidos? Será um sentimento purista, de quem consome cinema tal como é suposto que seja consumido? Ou será um reflexo de quem cresceu a ver filmes na sala de cinema, descobrindo aí emoções e momentos que nunca se reproduziram em casa com uma cópia de qualidade inferior através de um aparelho que, durante muitos anos, nem o formato da tela usada pelos artistas respeitava?

Estas são questões que passam pela própria definição de cinefilia. Ou seja, que cinefilia queremos, desejamos e alimentamos? Que preservação fazemos da memória do cinema, não apenas da preservação do acervo de filmes e do contexto histórico dos seus artistas, mas também do acto de «contemplar» um filme? É certo que a revolução digital mudou inúmeros aspectos das nossas vidas, incluindo a sétima arte. Muitos autores, tanto jovens promissores como experientes consagrados, abraçaram o digital pelo seu lado prático e económico. Muitos outros deixaram-se arrastar pelas leis do mercado que ditaram (praticamente) a morte do celulóide. Mas não se trata aqui de discutir as vantagens de um formato ou suporte contra o outro. Interessa-me discutir como o cinema, desde que nasceu até aos conturbados dias de hoje, sempre foi uma forma de arte popular que convidou as pessoas a uma sala escura para, por magia, serem enfeitiçadas por uma luz que transportava sonhos e sensações desde a traseira da sala até à tela branca no lado oposto.

Acredito que, apesar do deserto de opções do nosso mercado, devemos procurar as melhores condições possíveis para a experiência cinematográfica. À falta de uma escolha perfeita, devemos avaliar quais os critérios que valorizamos e quais as cedências que estamos dispostos a fazer. Na escolha de uma sessão de visionamento, não deveria ser irrelevante o conforto e limpeza da sala, o estado do ecrã, a qualidade do sistema sonoro, a luminosidade do projector, nem sequer o formato da projecção. Este último ponto é particularmente esquecido, porque na verdade grande parte das estreias comerciais no nosso país não apresentam alternativas. Duvido mesmo que ainda existam salas equipadas para projectar película — talvez a Cinemateca Portuguesa? E nem sequer estou a falar das sessões especiais de cinema(?) que não são mais que projecções de ficheiros pirateados de qualidade duvidosa, ou um qualquer formato caseiro, utilizando equipamentos de grande consumo.

A verdade é que, volta e meia, somos lembrados da importância histórica dos formatos de imagem, não só na herança cinéfila, como nas opções estéticas do seu autor. Há uns anos, a UCI exibiu Lawrence da Arábia numa versão restaurada, mas em que formato? A BFI (British Film Institute) irá exibir o mesmo filme este ano e anuncia com pompa e circunstância que as exibições serão em 70mm. Quentin Tarantino filmou Os Oito Odiados em película neste mesmo formato. A sua postura é nostálgica e, como tal, recuperou também o conceito de roadshow fazendo uma digressão por cinemas preparados para o exibir. Quem teve a sorte de assistir a estas sessões viu uma versão do filme com um bónus de vinte minutos ausente da versão genericamente distribuída.

Já este ano encontramos dois exemplos distintos onde o formato é uma opção estética consciente em função do tom e escala do filme. Sofia Coppola filmou The Beguiled (ainda sem data de estreia prevista em Portugal) em película de 35mm no formato pouco utilizado de 1.66 : 1. Esta opção reforça a claustrofobia — mais difícil de conseguir em formatos tradicionais — de uma história intimista e tensa. Por oposição, Christopher Nolan volta ao seu formato preferido: IMAX. Para a escala épica do seu filme de guerra Dunkirk, Nolan filmou mais de setenta porcento da duração total no formato nativo IMAX. Em função do cinema onde será projectado, Dunkirk pode ser uma experiência em pelicula (35mm, 70mm, IMAX 70mm) ou digital (tradicional [DCP], IMAX DigitalIMAX with Laser).

Uma das experiências mais sensoriais e viscerais que tive numa sala de cinema foi uma exibição em 3D de Gravidade, de Alfonso Cuarón, na sala IMAX do Centro Comercial Colombo, em Lisboa. Devo dizer que não sou fã de 3D. Apesar disso, e independentemente dos meus pensamentos ou relativizações intelectuais sobre o filme, ver Gravidade em IMAX foi uma das melhores experiências cinematográficas da minha vida. Tinha desistido da ideia que alguma vez conseguiria sentir novamente tal maravilhamento numa sala de cinema. Julgava que essa experiência estava reservada para a infância, quando somos criaturas curiosas, inocentes e optimistas. A verdade é que aconteceu e, desde então, IMAX é o meu formato de eleição para ver qualquer filme. Se estrear nas salas tradicionais e em IMAX, não há dúvida nenhuma de qual escolherei.

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Sobre o IMAX de Lisboa (existe outro no Porto, nos Cinemas Marshopping, do qual não tenho detalhes técnicos), convém dizer que não é o «verdadeiro» IMAX. O IMAX original garante uma projecção no formato IMAX 70mm e normalmente apresenta telas significativamente superiores às variantes do formato. Por exemplo, a maior tela de IMAX encontra-se em Lincoln Square, em Nova Iorque, e mede 23 por 30 metros. No entanto, é compreensível que esta opção não se tenha disseminado facilmente. Uma bobina de IMAX 70mm, com projecção na horizontal e fotogramas com largura de 15 perfurações, pode variar entre os 120 e 183 centímetros e, no caso de um filme de duas horas e meia, pode pesar 250 quilos. Em Portugal encontramos a variante IMAX Digital e, no Colombo, uma tela considerável de 15 por 20 metros com projectores duplos 2K, tanto para 2D como 3D. No final de 2014, começaram a ser instalados novos sistemas de projectores duplos 4K a que se convencionou chamar IMAX with Laser.

Como dizia, não existem opções perfeitas. No IMAX Colombo vendem-se refrigerantes, pipocas e nachos com queijo(!). Podemos rezingar ou apreciar e apoiar o simples facto que a sala existe frequentando-a. Enquanto houver cinema, haverão salas escuras, e enquanto se respeitarem as melhores condições possíveis de projecção, independentemente do formato ou do suporte, maiores serão as probabilidades de se contrariar a tendência dos ecrãs pequenos e do défice de atenção e de se deslumbrarem jovens mentes sonhadoras que poderão no futuro ajudar-nos a manter viva a cinefilia evitando que esta se torne apenas uma memória bafienta.

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