Segundo Take

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Star Wars: A Ascensão de Skywalker

Desde o regresso pela mão da Disney do fenómeno Star Wars, criado originalmente por George Lucas, os títulos que constituem a espinha dorsal do que se convencionou chamar a saga Skywalker foram acusados, respectivamente, de excessiva reverência nostálgica pelo passado e de desrespeito pela mitologia construída previamente. Chegados ao nono e derradeiro episódio de uma epopeia iniciada há 42 anos, arrisco-me a dizer que estava mais em causa a gestão antecipada das possíveis reacções das hordas de fãs mais vocais do que a coerência narrativa interna de um trio de filmes – episódios VII a IX – planeados separadamente como capítulos individuais. Convém não esquecer que a amada trilogia original teve o mesmo processo criativo orgânico, com os resultados que se conhecem. Como se podia antecipar pelos trailers, imagens e detalhes que foram sendo conhecidos nas conversas e acontecimentos promocionais sobre Star Wars: A Ascensão de Skywalker nas últimas semanas, J. J. Abrams jogou pelo seguro e, ao contrário do arrojo formal e narrativo de Rian Johnson em Os Últimos Jedi, recuperou a nostalgia que tinha tingido O Despertar da Força.

É aqui que entra o grande “mas”. Porque, se a nostalgia permeava a narrativa do título anteriormente realizado por Abrams sem o afogar, aqui nota-se uma indisfarçável ânsia de correcção de curso que, pela força da nostalgia e da vontade da criação mitológica, lança pela janela a coerência e o labor narrativo, e, pior ainda, o cuidado com a caracterização e a vida interna das personagens. Isto é imediatamente sentido nas sequências de abertura que, feito inédito em qualquer dos oito títulos anteriores, evocam cut scenes de um videojogo. Não há peso, gravidade ou envolvimento emocional: apenas artifício, enredo e diálogos de exposição. E, dúvidas houvessem se este derradeiro capítulo “mataria” o passado, somos imediatamente presenteados com elementos que o invocam, incluindo um regresso mal “disfarçado” pelo marketing a orquestrar o MacGuffin no centro da história. Assim, A Ascensão de Skywalker está para Os Últimos Jedi tal como Spectre está para Skyfall – piscadela de olho aos fãs de James Bond –, revelações de laços familiares incluídos.

Apesar de se verem as costuras dos diálogos em que a saudosa Carrie Fisher participa, aproveitando momentos gravados e não usados nos títulos anteriores, a sua integração é surpreendentemente eficiente e relevante ao desenrolar dos acontecimentos, culminando numa sentida e emocional despedida da actriz. Outro regresso que não constitui surpresa é a de Billy Dee Williams, como Lando Calrissian, não passando a sua participação de mais um saudoso regresso ao passado. O elenco central, constituído por Daisy Ridley, como Rey, John Boyega, como Finn, e Oscar Isaac, como Poe, volta a despertar a nossa simpatia e afecto, desta feita partilhando tempo de ecrã, no entanto com muito menos espaço de manobra para desenvolverem as suas personagens. O mesmo acontece a Adam Driver com o seu Kylo Ren, talvez a personagem com o arco mais interessante do grupo, não obstante a precipitação do seu percurso. Pelo caminho, inúmeros cameos e participações, entre as quais personagens nossas conhecidas usadas para efeitos cómicos ou reforço dramático, e novas criações que apenas o tempo demonstrará serem ou não memoráveis.

Com mais ou menos defeitos, Lawrence Kasdan e Rian Johnson sabem escrever e montar uma narrativa. Para A Ascensão de Skywalker, Abrams contou com a colaboração de Chris Terrio (ArgoBatman v Super-Homem: O Despertar da JustiçaLiga da Justiça) para “adaptar” a história original de Derek Connolly e Colin Trevorrow, despedidos em fase de pré-produção. A verdade é que os problemas começam no guião. Não só a referida preocupação com os elos de ligação à trilogia original, despachando revelações narrativas sísmicas com linhas de diálogo descartáveis, como uma notória necessidade de aumentar a escala e os níveis de espectacularidade, oferecendo um desfecho épico, no entanto com sabor a sofisticado produto de fan fiction sem o refinamento que seria de esperar. Infelizmente, o que sobra é uma sensação de inconsequência e real falta de coragem em abalar o público. Os poucos momentos em que tal parecia acontecer são rapidamente minados, e as preocupações dos espectadores apaziguadas. Por incrível que possa parecer, damos por nós com saudade do tempo em que ewoks caiam em batalha para não mais se levantarem. Outra queixa é o temido afunilamento do universo, intervertendo a prometida democratização da Força. Sem nada revelar, deixo apenas o apontamento: a ascendência de Rey é novamente motivo de discussão e será um ponto que divirá ao meio as reações ao filme.

Como não podia deixar de ser, somos presenteados com vistosas cenas de acção, incluindo as obrigatórias lutas de sabres. O que fica a faltar é o investimento emocional de outrora, havendo alguns vislumbres disso mesmo nas interações entre Rey e Kylo Ren. E, para acabar numa nota positiva, há um bom aproveitamento da ligação entre estas duas personagens, dando lugar a algumas sequências de belo efeito – aquelas que mais se aproximam da desejada caracterização de personagens. Tal como Kylo Ren reconstruiu a máscara anteriormente destruída, também Abrams recuperou as glórias do passado. É pena que, tal como aquela, também A Ascensão de Skywalker revele as cicatrizes de uma narrativa anteriormente estilhaçada a tentar ser aquilo que já não tem o direito de reclamar.