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Uma viagem pela filmografia de Christopher Nolan - Introdução

Uma viagem pela filmografia de Christopher Nolan - Introdução

Este é o texto introdutório para o ranking que elaborei dos filmes de Christopher Nolan por ordem da minha preferência que pode ser consultado aqui.

Christopher Nolan está longe de ser uma figura unânime. Talvez o seu maior trunfo seja precisamente a cisão profunda e o provocar de discussões acaloradas entre aqueles que o veneram como o cineasta charneira da sua geração — incluindo a sua faceta tradicionalista que privilegia a película e o tamanho das telas IMAX por oposição aos sabores do momento, como, por exemplo, o 3D — e os que o consideram uma fraude — um hábil ilusionista que se diverte a enganar-nos com truques elaborados dos quais se vêem as costuras se semi-cerrarmos os olhos, no entanto sem qualquer chama ou paixão para lá da impressionante mecânica das suas narrativas desenhadas a régua e esquadro.

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Sempre tive uma relação complicada com Christopher Nolan. Quando vi Memento (2000) em 2001 no cinema Mundial em Lisboa fiquei com os pelos dos braços literalmente em pé na chegada ao genérico final. Aqui estava um filme original e desafiante que funcionava como um puzzle resolvido ao espelho. Recuperar Following (1998), o filme quase amador que filmou aos fins-de-semana durante um ano, foi assim descobrir um template para o que seguiu, sendo uma obra interessante para quem quer descobrir as origens das suas preocupações temáticas. Depois de Insónia, um remake pouco memorável do filme norueguês do mesmo nome, seguiu-se a consagração com a trilogia do Cavaleiro das Trevas (2005-2012)

Mas foi com o seu mais subvalorizado filme, O Terceiro Passo (2006), que comecei a perceber que havia qualquer coisa de errado. Naquele que é um dos seus melhores filmes, Nolan adaptou um complexo livro de forma cerebral e clínica que, tematicamente, encaixava que nem uma luva no seu registo. O confronto entre dois mágicos rivais era encenado por um mestre do artifício e da manipulação. Visualmente deslumbrante, ainda assim a narrativa de O Terceiro Passo deixava um amargo de boca pela batota da utilização do sobrenatural numa história que parecia ser um tratado sobre a arte da ilusão. Além disso a sua estrutura assente na leitura de diários, herança da fonte literária, disfarçava o maior calcanhar de Aquiles do seu autor. Nolan define as regras dos seus universos e desenha a mecânica das suas narrativas como um competente e rigoroso engenheiro. O seu cinema é feito de enigmas mas não contém nenhum tipo de ambiguidades. Nolan vai explicar-nos pela voz das suas personagens exatamente como tudo funciona na introdução, durante o desenvolvimento e mesmo na ação climática dos seus filmes. De tal forma que, mais que personagens, as pessoas que habitam os seus filmes acabam por ser mais símbolos que funcionam como veículos de exposição. 

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Veja-se o caso do grande sucesso A Origem (2010). Cobb, interpretado por Leonardo DiCaprio, explica exaustivamente a Ariadne, na pele de Ellen Page, as regras por onde a sua missão — e o filme por arrasto — se irá guiar em longas cenas que funcionam como Keynotes de uma qualquer TED Talk. Para um filme sobre sonhos não há um único momento onírico e evocativo do que é realmente sonhar, para não falar que as motivações das personagens e as suas ações não sobrevivem a um escrutínio mais fino. Além disso, volta a ser dado o palco central a um dos seus tropos mais batidos — o da morte da mulher do protagonista.

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Curiosamente a linguagem cinematográfica de Nolan acabou por ser perfeita para o universo de Batman onde, apesar do realismo e verosimilhança imprimidos, as regras têm vindo a ser refinadas por anos de artistas da banda desenhada. Batman - O Início (2005) foi uma história de origem refrescante, com uma estrutura não linear assente em analepses, e O Cavaleiro das Trevas  (2008) foi o ponto alto deste tipo de adaptações com um equilíbrio perfeito entre a ação a mitologia da personagem e a ambição dramática de um policial adulto. Infelizmente O Cavaleiro das Trevas Renasce (2012) começou a revelar um autor onde a ambição começou a superar a capacidade de edição narrativa, expondo as muitas fraquezas de um argumento que tentou fazer demais. 

Se em Interstellar (2014) houve uma tentativa consciente e esforçada por introduzir coração e emoção no seu cinema e uma ambição desmedida que praticamente afundou o empreendimento, em Dunquerque (2017) Nolan destilou a sua grande preocupação temática — a percepção e manipulação do tempo — numa envolvente experiência bélica que, em IMAX, não só nos colocava na pele dos protagonistas como encontrava o tão desejado equilíbrio entre cérebro e coração.

Sinto que neste momento tenho de relembrar que comecei por dizer que tenho uma relação complicada com Christopher Nolan. As suas premissas intrigam-me, e adoro a estética dos seus filmes. Há qualquer coisa de cativante na sua ambição, na sua originalidade e no seu estilo visual. O problema é que uma boa premissa não faz obrigatoriamente um bom filme e as suas opções narrativas são discutíveis, na melhor das hipóteses, e simplesmente más no que diz respeito aos diálogos. Ver um filme de Christopher Nolan é como resolver um cubo de Rubik: depois da sensação de euforia do puzzle resolvido não o queremos voltar a resolver, ficando apenas em cima de uma cómoda sem qualquer tipo de segredos nem mistérios.

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A esperança é que, com Tenet (2020), tudo seja diferente, e o deslumbramento inicial não se desvaneça com o passar (ou revisitar) do tempo.

O ranking que elaborei dos filmes de Christopher Nolan por ordem da minha preferência pode ser consultado aqui.

Uma viagem pela filmografia de Christopher Nolan - O "ranking"

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MOTELX regressa já em Setembro

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