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De Palma, o rei da homenagem ou plagiador?

De Palma, o rei da homenagem ou plagiador?

Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 9 de agosto de 2016 com o título [Patinho Feio] Blow Out – Explosão (1981) e pode ser lido na íntegra aqui.

Foi anunciado como fazendo parte do MOTELx do próximo Setembro o documentário De Palma onde os cineastas Noah Baumbach e Jake Paltrow homenageiam Brian De Palma conversando com este sobre a sua filmografia. De Palma, já aqui referi anteriormente, foi um dos nomes que me despertou precocemente para a existência de alguém a tomar decisões artísticas por trás das câmaras de filmar, bem como para a possibilidade da existência de uma marca autoral reconhecível. Muito antes de ter preocupações temáticas ou estéticas comecei a perceber a recorrência do nome de De Palma numa série de filmes transgressores, repletos de violência, sexualidade e emoções fortes. Talvez tão odiado quanto admirado sempre foi encarado por ambas as fações como um apropriador e um reciclador, nomeadamente da herança de Alfred Hitchcock.

Carrie terá popularizado o realizador, mas foram filmes como SistersObsessãoVestida Para Matar, e mais tarde Testemunha de Um Crime que revelaram a óbvia influência do mestre do suspense através de homenagens, como optei chamar-lhes, a filmes como A Mulher Que Viveu Duas VezesPsico ou Janela Indiscreta. Estas referências óbvias, por vezes mais do que uma num só filme, aliadas à violência (gratuita muitos acusarão) frequentemente dirigida a mulheres, fizeram-no ganhar a fama de ser um cineasta misógino e machista. Se este assunto for abordado no documentário que vamos poder ver em setembro, e onde De Palma fala na primeira pessoa, possivelmente aguarda-nos um objecto fascinante.
Blow Out – Explosão, de 1981, um ano depois da controvérsia de Vestida para Matar, é um filme do qual guardava óptimas memórias e que volta a ser, no cânone de De Palma, uma obra descaradamente derivativa, encontrando inspiração, desta vez, em História de Um Fotógrafo, clássico de 1966 de Michelangelo Antonioni, e em O Vigilante, filme menos celebrado de Francis Ford Coppola, realizado em 1974. Juntando dois dos principais protagonistas de Carrie, John Travolta, ainda a viver a febre de sábado à noite do final dos anos 70, e Nancy Allen, na altura mulher do realizador, conta a história de Jack Terry, um técnico de efeitos sonoros de Filadélfia que, enquanto grava sons para um filme de terror de baixo orçamento, capta por acaso provas áudio de um assassinato envolvendo um candidato presidencial acabando por se envolver com Sally Bedina, uma jovem envolvida no crime.

O enraizamento da trama no universo fílmico, ainda que em produções de exploração de baixo orçamento, sempre foi, para mim, um dos principais pontos de interesse de Blow Out. O olhar por trás da cortina do trabalho de edição de som, talvez o meu primeiro, é aqui um MacGuffin para propulsionar a história com os eventos capturados por Jack a revelarem-se e mutarem com sucessivas iterações do tratamento do som, e mais tarde com a combinação do mesmo com imagens do acontecimento capturadas por outra personagem. Ver Blow Out em 2016 é uma viagem no tempo no que respeita à tecnologia de captura e reprodução de som, tão distantes que estamos da realidade analógica de 1981, bem como na paisagem urbana: suja, decadente e, felizmente, uma miragem no retrovisor histórico.

De Palma está mais discreto do que na sequência final de Carrie, onde abriu o livro de técnicas visuais utilizadas, mas mesmo assim utiliza alguns dos seus truques ópticos, como split screens, enquadramentos com dupla focagem em dois planos de distâncias distintas, inserts deflashbacks no espaço negativo da cena em que Jack ouve os sons do atentado, sem a abandonarmos, ou um plano sequência numa espiral em 360º quando Jack descobre que apagaram a sua biblioteca de sons. Tal como em O Vigilante, também Jack é perseguido por um sentimento de culpa relativo a um trabalho passado que resultou em tragédia e, ao envolver-se com Sally, esse sentimento é reavivado pelo perigo em que Jack a coloca. É neste capítulo que De Palma resvala para o domínio do absurdo ao introduzir o vilão da história, protagonizado por John Lightgow, que decide assassinar raparigas aleatoriamente para encobrir o seu plano de se livrar de Sally como mais uma vítima de um suposto assassino em série.

A reta final de Blow Out é operática e tipicamente cabotina. O jogo do gato e do rato, sem o mesmo suspense conseguido em cenas semelhantes em Vestida Para Matar, encontra no seu desfecho a recompensa para o MacGuffin inicial. Em retrospectiva a sequência final do filme parece ser a única razão da sua existência, quase como se tivesse sido a semente inicial de onde todo o filme surgiu retroactivamente. Jack consegue finalmente encontrar o grito perfeito para a cena do filme de terror em produção. Depois de ver toda a sua biblioteca de sons destruída na sua busca pela verdade, sobra-lhe apenas o grito de Sally do momento em que é assassinada, numa macabra fusão da dura realidade com a banal ficção.

Blow Out – Explosão é um bom ponto de entrada para a filmografia de Brian De Palma, apesar de não ser um dos seus filmes mais celebrados, e um bom indicador para tirar a temperatura a um potencial fã do realizador.

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