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Episódio #20 - Salve, César! / Pânico em Florida Beach

Episódio #20 - Salve, César! / Pânico em Florida Beach

A filmografia dos irmãos Coen, com um par de excepções, está recheada de clássicos instantâneos. Penso que podemos concordar com esta afirmação embora possamos discordar nos títulos que encabeçam tão significativo corpo de trabalho. Há uma consistência formal e temática na sua obra, tão mais impressionante quanto a quantidade de géneros onde se movem. Seja o policial, o noir, o filme de gangsters, o western ou o musical, quando abordado pelos Coen existe inequivocamente no seu universo.

Autores de um sentido estético apurado e uma precisão milimétrica - segundo Jeff Bridges todas as hesitações e interjeições no discurso de The Dude n'O Grande Lebowski estavam escritos no guião - constroem desde o seu filme de estreia, Sangue por Sangue, uma visão filtrada por uma lente sarcástica, violenta, cheia de humor negro mas, ocasionalmente, optimista, onde os seus protagonistas são anti-heróis das suas próprias histórias, envolvidos em circunstâncias maiores que os próprios, normalmente movidos por ego e ganância, o vil metal como catalisador duma espiral de acontecimentos provocados pelos próprios onde, a cada passo, a sua integridade vai ficando cada vez mais corrompida e a possibilidade de redenção se vai tornando progressivamente numa miragem.

A riqueza e complexidade das suas personagens permitem retirar o melhor dos seus actores que, normalmente, regressam ao seu universo. No caso das colaborações com George Clooney este é utilizado em contra-corrente com a percepção pública da sua persona. Nas mãos dos Coen, Clooney interpreta personagens tolas, sem noção de si próprias. Apesar disto, e da entrega do actor na subversão inteligente das expectativas do público, tanto Irmão, Onde Estás?, Crueldade Intolerável como Destruir Depois de Ler não ombreiam com os melhores títulos dos seus autores.

A boa notícia é que Salve, César! é a melhor colaboração entre os Coen e Clooney. A má notícia é que este não é dos filmes mais acessíveis da dupla para o espectador casual. Primeiro porque, apesar da ordem dos nomes no cartaz, as verdadeiras estrelas deste filme são Josh Brolin, no papel central de Eddie Mannix, o fixer da Hollywood dos anos cinquenta responsável por resolver todas as indiscrições das estrelas do estúdio para o qual trabalha, apesar de atravessar um crise espiritual e Alden Ehrenreich, uma jovem promessa que rouba todos os momentos em que está em cena no papel de Hobie Doyle, o actor principiante e simplório, sem o refinamento necessário para a realidade glamorosa dos filmes de prestígio onde se vê subitamente a trabalhar.

Salve, César! é um puzzle que à primeira vista pode parecer pouco focado e episódico. Mas o cinema dos Coen é como uma cebola e revela camada após camada de significado e simbolismo. Aqui revelam-se, tal como em Um Homem Sério, menos interessados em trama e mais focados nos temas. Esta é uma sátira à velha Hollywood dos grandes estúdios, ao mesmo tempo que é uma carta de amor aos filmes por ela produzidos, com sequências inteiras típicas da época a serem reproduzidas, revelando pelo caminho detalhes do processo fílmico. Seja o número musical de Channing Tatum, ou o ballet aquático de Scarlett Johanson, ou a melhor cena do filme envolvendo Hobie Doyle e Laurence Laurentz, interpretado por Ralph Fiennes, numa tentativa de ensaiar uma linha de diálogo que Hobie se revela incapaz de pronunciar.

É neste contexto que os Coen constroem o seu pot-pourri temático e, por cada cena de simbolismo e relevância imediata, temos outra críptica e misteriosa, como o momento onde Frances McDormand faz um cameo como editora fechada numa sala de edição, papel muitas vezes relegado a mulheres pouco reconhecidas e celebradas hoje em dia. Quem é fã dos Coen e das suas preocupações temáticas encontra em Salve, César! muita carne onde cravar os dentes, incluindo discussões teológicas, personagens em plena crise de fé, o confronto entre as ideologias comunista e capitalista, o questionamento do cinema como artifício, e de qual o seu valor em contraponto com a realidade, ou mesmo uma reflexão sobre a fronteira entre o jornalismo sério e o tablóide cor-de-rosa. Tudo isto com uma recriação de época luxuriante, música, dança e, muito importante também, muitas gargalhadas à mistura.

Um filme a não perder!


Já aqui falei de Joe Dante, no episódio #6 deste podcast. Repito o que disse então: Dante é um herói para quem gosta de cinema fantástico e cresceu nos anos 80. Recupero esta semana um dos seus filmes menos conhecidos: Pânico em Florida Beach, de 1993. Tal como o último filme dos irmãos Coen comenta o sistema dos grandes estúdios de Hollywood dos anos cinquenta também Pânico em Florida Beach é um filme de época sobre cinema, neste caso sobre um produtor independente de filmes fantásticos na década de sessenta, época histórica permeada pelo medo do holocausto nuclear. Outro ponto de contacto é a presença de John Goodman no principal papel, habitual colaborador dos irmãos Coen em papéis tão inesquecíveis como o fogoso Charlie Meadows, em Barton Fink, ou o republicano para-militar Walter Sobchak, em O Grande Lebowski.

Goodman interpreta Lawrence Woolsey, inspirado em Lawrence Woolner, responsável pela distribuição de títulos como Attack of the 50 Foot Woman, e em William Castle, produtor e realizador conhecido pela famosa imagem de marca da sua silhueta de perfil, sentado numa cadeira de realizador e ostentando um charuto. Estas referências denunciam as origens de Dante, um produto da escola de filmes de série B de Roger Corman onde iniciou a carreira na edição de trailers da sua produtora American International Pictures, demonstrando o seu afecto, não só pelo género que o lançou, como pela arte e engenho das figuras por detrás destas produções

Lawrence, um produtor maior que a vida, tirando proveito da tensão vivida durante a crise dos mísseis cubanos, promove a estreia do seu novo filme de terror "MANT" prometendo uma criatura meio-homem, meio-formiga, fruto de radiações atómicas, em fantásticos Atomo-Vision e Rumble-Rama, truques para atrair pessoas à sala de cinema como vibrações nos assentos ou figurantes em fatos de borracha a assustar a plateia. Esta atracção capta a imaginação de Gene e Dennis, dois irmãos residentes na base naval local lidando com ausência do pai, colocado num navio do bloqueio marítimo americano na costa da ilha de Fidel Castro.

Gene navega nas águas incertas da adolescência, fazendo relutantemente novos amigos na escola e tropeçando nas armadilhas das primeiras paixões. Entretanto Stan, um dos seus novos amigos, está também apaixonado por uma rapariga com um passado obscuro na forma de Harvey, um ex-namorado ex-presidiário que ameaça o seu romance e se cruza com dois actores, Bob e Herb, contratados para levantar polémica acerca do filme mesmo à porta do cinema local, gerido por Howard, à beira de um ataque de nervos com a iminência dos ataques nucleares. Todas as linhas narrativas convergem neste local, para a matiné de estreia de “MANT", apresentada por Woosley em pessoa, e Ruth, a actriz principal que participa contrariada nas peripécias preparadas por Woosley na sala de cinema destinadas a ampliar a experiência cinematográfica dos patronos pagantes.

A recriação do filme dentro do filme é rigorosa e hilariante na captura do espírito e tom dos filmes que reproduz, bem como a recriação de época revelando que Dante está mais interessado em nostalgia do que em subversão, em contraciclo com a sua filmografia habitual bem como com a anterior colaboração com o argumentista Charlie Haas, Gremlins 2: A Nova Geração, que ampliava infinitas vezes o lado mais malicioso e negro de Gremlins: O Pequeno Monstro, ignorando por completo o drama em favor da sátira paródica.

Pânico em Florida Beach é uma variante mais quente e bem-intencionada, retratando novamente uma pequena comunidade onde todos se conhecem, alternando a perspectiva entre o olhar ingénuo de um grupo de crianças, onde os horrores que vêem no grande ecrã se confundem com os horrores prometidos pelo conflito real que se desenrola ali tão perto, e o olhar de Woosley que, tal como interpretado por John Goodman, parece genuinamente mais interessado em proporcionar entretenimento do que no lucro que pode obter. Este espírito está resumido na resposta de Woosley a Gene, quando este lhe diz que custa a acreditar que é um homem adulto: “Pensas que os adultos sabem o que fazem? Isso é um engano, miúdo. Os adultos vão inventando pelo caminho, tal como tu. Se te lembrares disso vais-te sair bem”.

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