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Onde nenhum homem foi anteriormente, a alta velocidade

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Este texto foi publicado originalmente na Take Cinema Magazine dia 27 de agosto de 2016 com o título Stat Trek: Além do Universo e pode ser lido na íntegra aqui.

Quando J.J. Abrams pegou no franchise do Star Trek em 2009 tirou-a da toca do culto e trouxe-a para o mainstream. Independentemente dos nossos sentimentos em relação a este universo anteriormente, a verdade é que neste momento Star Trek é uma marca apelativa e invoca acção, aventura e diversão num contexto de ficção-científica, apesar da blasfémia para alguns trekkerse/ou trekkies mais empedernidos. Houve um sketch muito divertido por alturas da estreia do reboot onde um casal saía descontente de uma exibição do filme porque este era visualmente apelativo, tinha interpretações carismáticas e estava recheado de acção emocionante. Nunca tendo sido um fã incondicional deste universo partilho, no entanto, o sentimento. No final de contas Abrams acabou por fazer com a minha saga de eleição, Star Wars, o mesmo que tinha feito com sucesso com Star Trek. A diferença é que aqui houve um corte maior com o espírito original e com o legado de filmes e séries televisivas. É verdade que o conceito original de Gene Rodenberry já tinha vindo a ser diluído ao longo dos anos pois o seu universo pacífico e idealista, utópico mesmo, é incompatível com conflito e este é necessário para uma boa história, mesmo de ficção-científica hard.

Não é de admirar, então, que Roberto Orci, argumentista nos dois filmes anteriores, e anunciado realizador de Star Trek: Além do Universo, e autor do argumento em conjunto com Patrick McKay e John D. Payne, tivesse sido afastado do projecto ao fim de quase dois anos de trabalho. Rezam as crónicas que o argumento entregue era muito Star Trekkie, o que quer que isso signifique. Talvez mais cerebral e respeitador do espírito original? Com menos acção e apelo para o box-office? Depois do afastamento de Orci a escrita do argumento ficou a cargo de Simon Pegg e Doug Jung, tendo a realização sido entregue a Justin Lin, o obreiro do sucesso da franchise Velocidade Furiosa, numa opção que confirma a postura da Paramount perante a saga espacial.

Um pequeno parêntesis para falar de Simon Pegg. Pegg é um genial cómico/actor/argumentista britânico. Responsável, em conjunto com Edgar Wrigth pela série televisiva Spaced, e pela trilogia do Cornetto – Shaun of the DeadHot Fuzz e The World’s End, nenhum com estreia comercial em Portugal, vergonhosamente – tem feito carreira em Hollywood, muito pela mão de J.J. Abrams. Entre outros projectos é presença regular nos filmes da Missão: Impossível e do Star Trek, como o engenheiro Scotty. Fim de parêntesis. Sendo Pegg há muito um fã confesso desta saga, e dados os seus créditos de escrita, pareceu natural a oferta para escrever o novo filme, depois de cair por terra a abordagem de Orci. Ficou assim, em parceria com Jung, com a difícil tarefa de respeitar o legado da série, ao mesmo tempo fornecendo um filme de acção, apelativo para as audiências modernas e mainstream.

Após três anos, da sua missão de cinco, a USS Enterprise chega a Yorktown, uma enorme estação espacial, para reabastecimento e descanso da sua tripulação. Lutando para encontrar um significado na natureza infinita de sua missão de exploração, o capitão James Kirk pediu uma promoção para o vice-almirante e comandante de Yorktown, mas entretanto a Enterprise é enviada numa missão de resgate depois de uma cápsula de salvamento ter escapado de uma nebulosa inexplorada nas proximidades. O resgate transforma-se numa emboscada e a nave espacial é rapidamente destruída por um enxame maciço de pequenas naves, separando a tripulação sobrevivente que escapa para Altamid, um planeta dentro da nebulosa. Quando encontramos a tripulação a meio da sua missão de cinco anos, que era a premissa da série original, Kirk parece ter consciência da mitologia em que se vê envolvido, queixando-se da natureza episódica da sua missão. Este piscar de olhos ao espectador encapsula o que se irá passar de seguida. Star Trek: Além do Universo apenas parece recuperar o espírito original – o seu ponto de partida, bem como alguns dos efeitos sonoros da Enterprise, remetem para tempos mais inocentes, mas rapidamente assistimos incrédulos à destruição massiva da nave, numa espectacular sequência que seria o clímax de muitos outros filmes. A partir deste momento a acção impera.

Justin Lin é um veterano de filmes de acção mas esta é ,por vezes, confusa. Onde sai claramente vencedor é nas cenas de combate espacial com a Enterprise mais táctil e dinâmica de que há memória. Muito provavelmente desafia as leis da física, mas nunca antes vimos a nave a efetuar as manobras que Justin Lin cozinhou neste filme. Nas cenas de luta corpo-a-corpo o seu estilo de edição, combinado com os planos muito aproximados dos actores, tornam estes momentos frenéticos um pouco difíceis de seguir, infelizmente, o que se torna um problema quando se abdica de profundidade narrativa ou caracterização de personagens a troco deste tipo de cenas. Ainda assim, apesar do vilão Krall ser genérico e com motivações algo nebulosas, passo a expressão, desperdiçando o versátil Idris Elba, existem bons momentos entre as personagens nossas conhecidas. Ao ficarem separadas são experimentadas novas dinâmicas de relacionamento entre elas, nomeadamente no emparelhamento de Spock com Bones, Kirk com Chekov e mais tarde com Scotty e Uhura com Sulu.

O casting da tripulação da Enterprise continua a ser um dos elementos mais importantes deste novo fôlego do Star Trek. Os actores são carismáticos e altamente apelativos, apesar das diferentes escolhas e abordagens às suas personagens. Passando à frente da não-polémica da sexualidade de Sulu (John Cho), Kirk (Chris Pine), apesar de continuar com a dose certa de arrogância, está menos confiante e, à imagem dos filmes da tripulação original, tem de lidar com o passar dos anos. Spock (Zachary Quinto) continua a lidar com o destruição de Vulcano e com o peso do legado de sobrevivência do seu povo, encontrando em Bones (Karl Urban) um inesperado conforto e apoio. Uhura (Zoe Saldana) continua independente, destemida e corajosa e, dos três filmes mais recentes, é neste que a tripulação melhor demonstra as suas capacidades e importância enquanto uma equipa. Incluindo a adição de uma excelente personagem feminina, Jaylah (Sofia Boutella), todos têm o seu propósito e, a espaços, quando surgem problemas, a todos é dada a oportunidade de participarem activamente na sua resolução. Neste contexto, torna-se ainda mais triste a trágica e prematura perda de Anton Yelchin, o ingénuo e competente Chekov que, segundo a produção, não será substituído por mais nenhum actor.

Apesar da magra narrativa há muito para apreciar em Star Trek: Além do Universo. Continua a haver uma alegria e entrega nas interpretações dos actores, uma banda sonora bombástica de Michael Giacchino, e uma combinação equilibrada de jargão técnico, conceitos de ficção-científica e sentido de espectáculo. E o que dizer da incorporação de Sabotage, dos Beastie Boys, usada nas cenas iniciais do reboot de Abrams, na lógica narrativa do filme? Desapropriado, dirão uns. Genial, afirmo eu! Não seria propriamente isto que Gene Rodenberry imaginou quando criou a sua série televisiva, mas sem conflito não existem boas narrativas, e sem um apelo mais generalista não existem resultados financeiros. J.J. Abrams compreende isto melhor que ninguém e, enquanto estiver ao leme deste empreendimento, sinto que estamos em boas mãos para o acompanhar nesta aventura.

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